segunda-feira, 14 de junho de 2010

razão e acaso ou vice e versa

Não cogite ao acaso o fruto da razão.

Numa tarde qualquer

A jovem vendedora foi audaz. As crianças encontraram um tesouro. A loja de instrumentos era o verdadeiro paraíso. Cornetas, violões, pandeiros, chocalhos e tudo mais de soar. Os olhos infantis brilharam diante daquelas coisas mágicas. Pronto estava armada a crônica de uma morte anunciada. Crianças e coisas frágeis. As mãos infantis foram feitas pra coisas frágeis e essas foram feitas pro chão, duro frio e inexorável.  A vendedora desafiou o destino e convidou as crianças pra entrar.  Ela sabia que não ia vender nada. Um bando de crianças barulhentas e ninguém com cara de pai por perto. Ela sabia que o desfecho seria inevitável, algum daqueles moleques ia destruir justamente o instrumento mais caro: o xilofone  de marfim cravejado de rubis. Ah! mas aquele xilofone fora feito pra fazer som, não o som requintado e disciplinado de uma sala de concertos.  Aqueles ossos ressequidos queriam viver novamente pelas mãos irrequietas de João. E o menino não se fez de rogado, foi apanhando as baquetas e partiu bravamente pro teclado branco. Alguém mais experiente já sabia que isso ia acabar mal.  Toda aquela energia liberada em meio a tanta delicadeza só poderia dar prejuízo. 
Contrariando as expectativas as pequenas mãos batucavam daqui, enquanto bochechas rechonchudas sopravam de lá. O som da vida sem fronteiras invadiu aquela lojinha e por instantes eternos os sorrisos contagiaram tudo em volta.  A desordem irritou alguns ranzinzas de plantão, mas ninguém deu atenção à reprovação de quem só espera o final trágico de cada lance.  A cena prossegue e de repente o inevitável acontece: o Joãozinho e o xilofone se fundem numa musica doida que arrebata sentidos e faz transbordar de cores tudo em volta. O xilofone era mágico e seu encanto era presentear que o ouvia com pequenas parcelas de felicidade, tal qual gotas de chocolate incrustadas num panetone.
Naquela tarde ordinária o medo perdeu, dando espaço ao sonho de quem se atreve a arriscar um pouco mais só pra ver sorrisos sinceros.