segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

A Vida e a Montanha

As escolhas de nossa vida nos levam ao ponto onde estamos.  Se diante de mim há uma montanha e eu resolvo encarar, posso me machucar, talvez não volte. O cansaço e a dor estão no caminho prontos pra me acompanhar durante boa parte da jornada.  Cada passo confirma o anterior e reafirma a disposição de manter a decisão ou retroceder.  É claro que a volta traz a vergonha, a humilhação pessoal que ninguém assume.  O ser humano é assim mesmo.  As vezes se entrega, as vezes desiste, mas poucos continuam mantendo o leme na direção. É dessa massa de poucos que são feitos os heróis.  Os do dia-a-dia cheios de falhas e fraquezas, mas que diante das montanhas não voltam.  Ninguém pode ser culpado por voltar. Cada um sabe de suas capacidades e aqueles que ousam ir além, desprezando o preparo, desrespeitando a montanha correm o risco de serem engolidos por ela.
A montanha merece respeito. Seu topo coberto de neves eternas precisa ser reverenciado com humildade.  Mas a montanha premia seus valentes. Aqueles que se preparam, que perdem num dia pra voltar em outro, e outro, até que pelo cansaço, ou pela experiência cotidiana, transformam a montanha em rotina.  Um pouco a cada dia. Um metro a mais e assim, num dia esplendoroso de verão a montanha cede ao prazer do herói e oferece a glória de um entardecer em seu ponto mais alto.
As vezes não é montanha, nem canal, nem deserto, ou maratona. As vezes é a própria vida que se coloca como desafio. Como um sonho impossível, uma vocação não realizada, um amor aos pedaços.  A vida também exige seu respeito.  Não dá pra encarar sem cuidado, ela pode ser vingativa. Tem gente que não respeita e sem perceber cai na bebedeira, na luxuria e em todos os vícios. Acreditando que assim, numa suposta radicalização a vida vai mostrar-se e revelar seu topo. Entretanto, os cumes da vida, quando se mostram, aparecem em instantes fugidios. Num sunrising( que em seu sentido nascente é melhor que amanhecer), num sorriso de criança, num reencontro de uma saudade distante.  As vezes o topo é esplendoroso, um quebrar de recordes, um beijo apaixonado, um sim inesperado. Mas, na maioria das vezes o topo é olhar pro lado de manhã e ver ali o amor descansando com a expressão angelical que te faz acreditar que vale a pena continuar.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Que invento é a Poesia?


Que invento é a poesia?
Capaz de falar ao fundo d'alma
De explodir em tempestade
de traduzir calmaria

Que invento é a poesia?
Tão divina que ressoa
Das cordas de uma lira apolínea
Todo o encanto com magia

Que invento é a poesia?
É Dionísio em esplendor
É Diana a nos ferir
É a alma em agonia

Que invento é a poesia?
É arte de mentir
de representar, divertir
Sendo humano todo dia

Que invento é a poesia?
Transcendente a inspirar?
Imanente a maquinar?
Qual resposta eu daria?

Que invento é a poesia?
É magia calmaria
Agonia todo dia
Outra resposta eu poderia?

domingo, 6 de dezembro de 2009

Condenado a Felicidade






Alfredo era um homem do alto de seus 45 anos, casado, pais de dois adolescentes estudiosos que galgavam os degraus da vida com determinação e responsabilidade, o sonho de qualquer pai. Amanda, sua mulher, ainda mantinha o viço de uma beleza jovial e sedutora. Vinte anos de casamento não tinham apagado a chama do desejo. Mesmo quando os calores do corpo levaram ambos a procurar novas experiências o sentimento mútuo de culpa misturado ao companheirismo, carinho e realizações em conjunto salvaram aquela união das desilusões da modernidade insaciável.
Aquela família ia como tantas outras fincando seu pé na vida e avançando passo a passo para o lugar nenhum que toda a classe média almeja chegar.  Depois dos turbulentos anos das incertezas da crise de meia idade o casal encontrava-se um no outro. Pelo menos era a imagem que todos possuíam daquela família feliz.
Entretanto, o homem é bicho ruim. Insatisfeito consigo. Inconformado diante de sua pequenez.  Alfredo tinha seus segredos. Eles os revia constantemente guardados no fundo de sua caixa de recordações. Entre elas havia um retrato em preto e branco de uma grande lona que escondia sonhos mágicos e aventuras emocionantes.  Alfredo recordava do dia da fotografia com melancolia. “Como teria sido minha vida? – pensava em seu recôndito mais íntimo, o pensamento era tão fraco que ele quase não discernia. Soava como uma música distante. Sim era uma melodia ao som de realejo que embalava animais amestrados, palhaços coloridos, acrobatas em colants de nylon.  Trinta anos atrás ele era um menino sonhador. Possuía nos olhos o brilho de quem é capaz de sonhar.  O senhor Mário logo percebeu o pequeno Fredinho encantado com a maravilha do circo.  Fredinho era um mar de possibilidades. Possuía uma elasticidade fora do comum. Na primeira noite fugiu para o circo e ficou lá até a manhã. Marco, um trapezista inconseqüente, ensinou o menino os truques das cordas suspensas, dos trapézios sem rede, dos saltos mortais. Tudo isso numa única noite. Que talento o Fredinho tinha para aquelas coisas.  Aquela noite ficou guardada na memória para o resto da vida, naquelas poucas horas Fredinho conheceu o paraíso.  Para marcar ainda mais o pobre menino surgiu um pequeno anjo de cabelos dourado e cacheados que escondia-se sob uma máscara de palhaço.  Marcinha era filha do dono do circo e seu pai lhe deixara brincar de palhaço já a algum tempo, mas agora do alto de seus 13 anos ela era uma pequena visão do céu para Fredinho. A menina ouvira o barulho de alguém nos trapézios as onze da noite, muito depois do espetáculo. A curiosidade lhe mostrou o pequeno aprendiz de Marco, um garoto de cabelos pretos e equilíbrio especial. Arrumou um lugar escondido e ficou assistindo silenciosamente aquela aula clandestina.  Fredinho realmente tinha talento e ela adorou as peripécias recém aprendidas do rapazola. Depois de algumas horas o instrutor mandou Fredinho pra casa lamentando que aquela apresentação era única e n manhã seguinte eles estariam novamente na estrada.  O menino lamentou, insistiu em ficar, em fugir com o circo, mas Marcos não era tão irresponsável, deu uma bronca no garoto e disse que a aula estava encerrada.  Fredinho entendeu e saiu cabisbaixo, com passos lentos em direção a casa.  Marcinha acompanhou-o de longe enquanto ele ia na direção da saída do circo.  Mas, não se sabe se por descuido ou por intenção, fez um barulho que chamou a atenção de Fredinho.  O menino assustou-se mas demonstrando coragem voltou a procurar quem espionava seu regresso.  A cena foi a mais maravilhosa de sua vida, uma linda menina em trajes de Pierro seguia de longe aquele trapezista frustrado.  Fredinho a princípio achou que ela estava caçoando dele, mas logo viu que a menina linda não era capaz de caçoar sem máscara. As lembranças agora começavam a esfumaçar em meio ao longo dos anos. Ele não lembra bem quais foram as palavras que disse ou ouviu, mas sabe que conversaram até de manhã, lembra também que roubaram a câmara do lambe-lambe e tiraram a fotografia que agora estava em sua mão.  Lembrou com amargura de seu pobre pai, preocupado com seu futuro, proibindo de seguir viagem com o circo. Lembrou que a vida continuou independente dos saltos que nunca mais deu, do beijo que não roubou de Marcinha, dos sonhos que não realizou.
Ponderou sua vida e constatou que através da sólida carreira que construiu como advogado, dos filhos responsáveis, da mulher que ainda o desejava independente da sua enorme barriga, estava miseravelmente condenado a felicidade.