domingo, 6 de dezembro de 2009

Condenado a Felicidade






Alfredo era um homem do alto de seus 45 anos, casado, pais de dois adolescentes estudiosos que galgavam os degraus da vida com determinação e responsabilidade, o sonho de qualquer pai. Amanda, sua mulher, ainda mantinha o viço de uma beleza jovial e sedutora. Vinte anos de casamento não tinham apagado a chama do desejo. Mesmo quando os calores do corpo levaram ambos a procurar novas experiências o sentimento mútuo de culpa misturado ao companheirismo, carinho e realizações em conjunto salvaram aquela união das desilusões da modernidade insaciável.
Aquela família ia como tantas outras fincando seu pé na vida e avançando passo a passo para o lugar nenhum que toda a classe média almeja chegar.  Depois dos turbulentos anos das incertezas da crise de meia idade o casal encontrava-se um no outro. Pelo menos era a imagem que todos possuíam daquela família feliz.
Entretanto, o homem é bicho ruim. Insatisfeito consigo. Inconformado diante de sua pequenez.  Alfredo tinha seus segredos. Eles os revia constantemente guardados no fundo de sua caixa de recordações. Entre elas havia um retrato em preto e branco de uma grande lona que escondia sonhos mágicos e aventuras emocionantes.  Alfredo recordava do dia da fotografia com melancolia. “Como teria sido minha vida? – pensava em seu recôndito mais íntimo, o pensamento era tão fraco que ele quase não discernia. Soava como uma música distante. Sim era uma melodia ao som de realejo que embalava animais amestrados, palhaços coloridos, acrobatas em colants de nylon.  Trinta anos atrás ele era um menino sonhador. Possuía nos olhos o brilho de quem é capaz de sonhar.  O senhor Mário logo percebeu o pequeno Fredinho encantado com a maravilha do circo.  Fredinho era um mar de possibilidades. Possuía uma elasticidade fora do comum. Na primeira noite fugiu para o circo e ficou lá até a manhã. Marco, um trapezista inconseqüente, ensinou o menino os truques das cordas suspensas, dos trapézios sem rede, dos saltos mortais. Tudo isso numa única noite. Que talento o Fredinho tinha para aquelas coisas.  Aquela noite ficou guardada na memória para o resto da vida, naquelas poucas horas Fredinho conheceu o paraíso.  Para marcar ainda mais o pobre menino surgiu um pequeno anjo de cabelos dourado e cacheados que escondia-se sob uma máscara de palhaço.  Marcinha era filha do dono do circo e seu pai lhe deixara brincar de palhaço já a algum tempo, mas agora do alto de seus 13 anos ela era uma pequena visão do céu para Fredinho. A menina ouvira o barulho de alguém nos trapézios as onze da noite, muito depois do espetáculo. A curiosidade lhe mostrou o pequeno aprendiz de Marco, um garoto de cabelos pretos e equilíbrio especial. Arrumou um lugar escondido e ficou assistindo silenciosamente aquela aula clandestina.  Fredinho realmente tinha talento e ela adorou as peripécias recém aprendidas do rapazola. Depois de algumas horas o instrutor mandou Fredinho pra casa lamentando que aquela apresentação era única e n manhã seguinte eles estariam novamente na estrada.  O menino lamentou, insistiu em ficar, em fugir com o circo, mas Marcos não era tão irresponsável, deu uma bronca no garoto e disse que a aula estava encerrada.  Fredinho entendeu e saiu cabisbaixo, com passos lentos em direção a casa.  Marcinha acompanhou-o de longe enquanto ele ia na direção da saída do circo.  Mas, não se sabe se por descuido ou por intenção, fez um barulho que chamou a atenção de Fredinho.  O menino assustou-se mas demonstrando coragem voltou a procurar quem espionava seu regresso.  A cena foi a mais maravilhosa de sua vida, uma linda menina em trajes de Pierro seguia de longe aquele trapezista frustrado.  Fredinho a princípio achou que ela estava caçoando dele, mas logo viu que a menina linda não era capaz de caçoar sem máscara. As lembranças agora começavam a esfumaçar em meio ao longo dos anos. Ele não lembra bem quais foram as palavras que disse ou ouviu, mas sabe que conversaram até de manhã, lembra também que roubaram a câmara do lambe-lambe e tiraram a fotografia que agora estava em sua mão.  Lembrou com amargura de seu pobre pai, preocupado com seu futuro, proibindo de seguir viagem com o circo. Lembrou que a vida continuou independente dos saltos que nunca mais deu, do beijo que não roubou de Marcinha, dos sonhos que não realizou.
Ponderou sua vida e constatou que através da sólida carreira que construiu como advogado, dos filhos responsáveis, da mulher que ainda o desejava independente da sua enorme barriga, estava miseravelmente condenado a felicidade.

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