quarta-feira, 3 de novembro de 2010

da série poetadas

Ela 


Mulher, quem vai te descobrir
Quem é aquele que vai vencer os obstáculos 
E ascender como herói 
Teus portões sagrados?
Mulher, quem vai adentrar pelos salões dourados 
Contemplar seus baixo-relevos secretos e desvendar seus enigmas?
A alma feminina, universo insondável de emoção e sentidos
Cidade forte cheia de insinuosas vielas obscuras;
Cada canto esconde um encanto 
Um olhar e mil segredos
Próprios daquela que ao se abrir e se entregar 
Não permite ao vencedor a certeza da vitória
A mim como homem que sou perdido em minha obviedade 
Cabe apenas a fé na existência
Assim prossigo em insistente devoção 
Sou devoto dos olhares
Do balanço, dos sorrisos 
Da voz melodiosa que suave e quente me envolve
Sou escravo da maciez de tua pele
Da doçura de seu toque
Que por diversos já foi cantado 
Nestes pretenciosos arranjos eu repito explicitamente 
Um canto de louvor a beleza em forma pura
Ao divino na humanidade que guarda e alimenta 
Perpetua nossa presença
Dando sentido a permanência 

sábado, 18 de setembro de 2010

Zeus perde pra Eros

Essa postagem é antiga, mas vale a pena lembrar quem é o deus mais poderoso.

Roy Sullivan: Atingido por raios 7 vezes

O guarda florestal Roy Sullivan, entrou para o livro dos Recordes após ser atingido sete vezes por raios em seus 36 anos de carreira.
O primeiro ataque relâmpago, aconteceu em 1942. Sullivan foi atingido na perna e perdeu unha. Em 1977 aconteceu o seu último ataque, deixando-o com queimaduras no peito e estômago. Roy Sullivan morreu em 28 de setembro de 1983 com 71 anos de idade, a causa do óbito, suicídio devido a um amor não correspondido.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Um pensamento intrigante

Quem escreveu a frase:" Perguntar não ofende." Devia ser um jornalista, bem cínico..

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Essências reclusas

A velha necessidade de se mostrar cresce cada dia. Eu mesmo sou um exibido nato. Há em mim uma vontade absurda de impor fortemente minha presença. Acho que isto tem a ver com uma certa falta de confiança em si mesmo. Gente assim enche páginas de blogs, que quase ninguém lê, numa tentativa desesperada de marcar seu lugar ao sol. Isto é tão forte que implica até em atos inconsequentes e com um certo grau de desleixo. Como por exemplo, não revisar um texto antes de publicá-lo. É provavelmente o que acontecerá com este aqui.

Na contra mão desse movimento egocentrado há aquelas pessoas diferentes. Aquelas que não fazem questão de gritar aos quatro ventos suas impressões. Eu admiro pessoas assim. Elas não obrigam ninguém a notá-las. Elas ficam ali no seu canto, vivendo sua vida e produzindo muita beleza. Entre essas pessoas estão duas amigas minhas. Até parece o texto de um cronista que escreve no Globo cujo o nome eu esqueci. Mas voltando as minhas amigas vou lançar um pouco de luz sobre os refúgios aconchegantes de onde elas contemplam a vida e discretamente marcam suas presenças sem escândalos.

Uma delas escreve memórias de sua própria história. Não para buscar o estrelato ou ficar rica. Minha amiga até pensa em publicar suas reminiscências mas apenas no estreito circulo de sua intimidade. Sua grande aliada é a tecnologia que permite a edição de poucas cópias dessas memórias que devem ser deliciosas e inspiradoras. Só pra dar inveja a quem não a conhece: a menina nasceu numa família muito pobre do nordeste, numa família de muitos irmãos e foi criada apenas pela mãe. Hoje do seu apartamento classe média na Zona Sul do Rio de Janeiro ela comemora a vida, enquanto cuida do seu gato temperamental. Com um pouco de sorte eu terei acesso a essas histórias maravilhosas. Bom pelo menos eu espero.

A outra amiga discreta que também faz parte desse time de reclusos adora escrever. Depois de muito jogo de cintura eu finalmente consegui convencê-la a me mostrar seu texto. Foi uma experiência ótima. Seu estilo é pulsante, mágico, com uma sensualidade inebriante e bastante provocativa. Ninguém lê aqueles textos e fica impune. Nestes tempos de redes sociais e diários virtuais onde pessoas talentosas ou não disputam espaços digitais minha amiga é exceção. Seu texto é secreto, guardado em grande parte nas páginas manuscritas de seu caderno. Não há nenhuma linha virtual sobre sua saga de amor e ódio. Não sei se é por falta de confiança em si ou nos outros. Prefiro acreditar que ela não tem pressa em se fazer notar. Ela sabe que sua história tem um momento certo pra sari do forno. Se por um acaso seu bolo sair do forno antes do tempo corre o risco de desandar. Admiro essa paciência.

Essas duas mulheres trazem em si a essência e paciência de quem sabe valorizar cada semana de uma gestação.



Mais em www.sonataphb.blogspot.com

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Reflexões

Em meio a alguns pensamentos reflexivos fui caminhando na direção eterna dos porquês. Esse negócio de racionalizar tudo ainda vai me deixar doido. Mas, eu sou assim. Eu preciso entender o processo, praticá-lo, internalizá-lo, pra assim e somente assim, dizer que realmente eu sei do que estou falando.  É justamente no meio desse processo que uma frase veio a mim. Eu estava pensando no que poderia ser essa coisa metafísica tão desejada, mas tão pouco conhecida: o amor.  Esse sentimento que rende novelas, músicas, poesias, líquidos e assassinatos.  O que é esse amor? Que deus é esse que movimenta milhões de bytes ao redor da net? Todo mundo se acha habilitado pra falar de amor. Todo mundo acredita que participa dele de algum modo. Falam de amor passageiro, de amor falso, de amor próprio. Falam tanto de amor que há quem diga que existe um amor verdadeiro. Tem gente que ama o próximo e tem gente que não ama ninguém.
Um bom autor psicanalista - sempre eles - afirma que o amor é uma vontade de se reintegrar ao mundo. Pra ele nós nascemos separados e solitários. Essa constatação é assustadora.  Uma vez descoberta nossa solidão nossa única chance de escapar dessa condenação é ele, o remédio pra todos os males, o amor.  Não lembro agora se o escritor chama o amor de sentimento ou de verbo.  Pra falar a verdade isso pouco importa pra mim.  Eu gosto da linha que ele toma. O seu raciocínio é claro e transforma o amor em coisa maior que sexo, maior que paixão, maior que ternura. Ele flerta com o religioso e transforma o amor em ação traduzido em caridade. Eu particularmente acredito que  nossas convicções valem muito pouco diante do histórico de nossas ações.  Pra mim nós não somos feitos de pensamentos. Somos a nossa história e, consequentemente, somos o fruto de nossas próprias ações. A partir dai minha reflexão sobre o amor tomou o único rumo possível. Se eu só posso ser quem sou pelo que já fiz, então meu amor só pode ser traduzido na concretude do dia-a-dia. Meu amor é mandamento que se realiza na negação de meu desejo.
Não me peçam explicação sobre isso tudo. Eu não sei. Se soubesse isso seria poesia.  Meu amor não está em mim, está nos meus gestos. Meu amor não está na paixão, nem no desejo. Ele está em silêncio movendo minha consciência a tomar decisões que não sei se quero. Ele na busca de um sorriso alheio, de um encontro maior. No caminho certo, num descanso dominical. Na insignificância de minha invisibilidade meu amor se satisfaz ao não me preencher. Pra que eu possa continuar a não-ser enquanto vivo. Pra vida continuar a existir ao meu redor.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Desassalto

A cena a seguir parece piada, mas, salvo umas pequenas licenças poéticas, ela ocorreu na íntegra.


_ Rapaz, não fala nada e segue sem reclamar. É um assalto.
_ Assalto?!?! Que isso sou trabalhador. Dá uma aliviada.
_ Que nada, anda logo que eu não estou brincado. Tem dinheiro?
_ Não.
_ Tu é um duro mesmo. Relógio?
_ Não.
_ Celular? Isso todo mundo tem. Afinal celular e celulite... você já sabe, né?
_ Toma ai, leva.
_ Hum? Não sei não. Esse treco filma?
_ Não.
_ Tira foto?
_ Não.
_ Tem internet?
_ Não.
_ Ah, pelo menos tem uma musiquinha pra tocar, né?
_ Não.
_ O que esta porcaria faz?
_ Celular é pra receber e fazer ligação.
_ Só isso? Num quero isso não. Toma.
_ Obrigado.
O cidadão já estava indo embora aliviado quando o ladrão lhe perguntou:
_ Quer um trocado pra passagem?

domingo, 18 de julho de 2010

Eleições

Lá vem as eleições e já se levanta o circo do mau-gosto. Fico pensando nessa farsa da nossa democracia, não só a nossa, a democracia liberal há muito que se prostituiu com o grande capital.  Falando assim parece que eu sou um marxista revolucionário, esse também não é o caso. Mas me irritam esses discursos de liberdade democrática quando o que se observa mesmo é a vitória de quem tem mais.  Nas eleições principais então, todos os cargos majoritários tem apoio direto dos principais setores das oligarquias financeiras.  Não adianta querer mudanças estruturais, sempre as mesmas caras irão aparecer. Os representantes das milícias, dos bicheiros, dos banqueiros e todos os setores produtivos da sociedade permanecem alterando-se na dança das cadeiras.  O jogo democrático segue seu esquema de permanências das mesmas coisas. Não adianta. Ninguém vai me convencer do contrário.  Não acredito nessa democracia.  Também não acredito em ditaduras. Pra falar a verdade ando meio desacreditado com os gestores do poder. Sempre bati palmas pra nossas elites, elas são as melhores do mundo. Conseguem manter sob sua tutela milhares de despossuídos  dosando bem a dose amarga da força bruta. Tudo bem que as vezes transborda num Carandiru, ou num El-dorado dos Carajás, ou numa incursão do pacificador com cara de morte da PM carioca.  Fora essas pequenas gafes as elites permanecem no seu lugar e, para desespero da classe média, os pobres estão cada vez mais perto.  Enquanto isso nossa mídia achincalha aqueles idiotas que se colocam na vitrine pública da política, sabendo que o centro de decisões está sempre na esfera privada dos CEOs. Aliás, CEOs é uma palavra bonita, para além de seu significado feio, chief executive oficcer, a palavra me lembra o teto cravejado de estrelas que insiste em permanecer calado diante de nossas mazelas.  No meio dessas mazelas ficamos aqui sonhando em liberdade quando o que temos realmente é espaço vigiado e totalmente controlado por câmeras de segurança e pelo famigerado Google street view. Mas, silêncio vai começar o horário eleitoral e se você gosta de colecionar frustração ou falácias basta apertar o rec. 

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Whatever Works



Woody Allen está otimista. Tudo bem que é um otimismo que não se entrega facilmente, e, como dizem aqueles que apreciam as coisas complexas – entre os quais eu por pura preguiça não me incluo, as melhores uvas estão nos galhos mais altos.  Seu último filme é um brinde a fé. Não a fé mesquinha dos fundamentalistas. Essa merece todas as porradas que sempre recebe dos intelectuais previsíveis.   Nem tão pouco essa fé é um sentimento de esperança cega e simplista em crenças de crescimento auto-sustentável ou atitudes politicamente corretas.  O clarinetista de horas vagas nos oferece um divertido passeio por adoráveis estereótipos humanos, cada um com a maravilhosa vocação para ser mais. 
Nova York é o cenário dessa comédia ácida e divertida e nela a vida vai pregar peças e facilitar o obvio e também o inusitado.  É justamente esse um dos grandes trunfos do filme: nada de formas prontas, apenas a vida acontecendo e nos levando de roldão com a generosa boa vontade do diretor. A deliciosa escolha de narrar a partir do personagem em primeira pessoa e em tempo real também é um petisco a parte que torna o filme ainda mais saboroso. Contudo, é preciso tomar cuidado pra não cair na armadilha Boris, personagem alter-ego do autor. É preciso não levar Boris a sério, ele mesmo não se leva a sério. Quem levaria a sério alguém que tem a certeza de estar num filme?  Toda a sua amargura e hipocondria e na verdade uma imagem invertida de alguém que, apesar de ser o arquétipo da negação da vida, prova que não importa o que aconteça tudo pode dar certo, será? 

segunda-feira, 14 de junho de 2010

razão e acaso ou vice e versa

Não cogite ao acaso o fruto da razão.

Numa tarde qualquer

A jovem vendedora foi audaz. As crianças encontraram um tesouro. A loja de instrumentos era o verdadeiro paraíso. Cornetas, violões, pandeiros, chocalhos e tudo mais de soar. Os olhos infantis brilharam diante daquelas coisas mágicas. Pronto estava armada a crônica de uma morte anunciada. Crianças e coisas frágeis. As mãos infantis foram feitas pra coisas frágeis e essas foram feitas pro chão, duro frio e inexorável.  A vendedora desafiou o destino e convidou as crianças pra entrar.  Ela sabia que não ia vender nada. Um bando de crianças barulhentas e ninguém com cara de pai por perto. Ela sabia que o desfecho seria inevitável, algum daqueles moleques ia destruir justamente o instrumento mais caro: o xilofone  de marfim cravejado de rubis. Ah! mas aquele xilofone fora feito pra fazer som, não o som requintado e disciplinado de uma sala de concertos.  Aqueles ossos ressequidos queriam viver novamente pelas mãos irrequietas de João. E o menino não se fez de rogado, foi apanhando as baquetas e partiu bravamente pro teclado branco. Alguém mais experiente já sabia que isso ia acabar mal.  Toda aquela energia liberada em meio a tanta delicadeza só poderia dar prejuízo. 
Contrariando as expectativas as pequenas mãos batucavam daqui, enquanto bochechas rechonchudas sopravam de lá. O som da vida sem fronteiras invadiu aquela lojinha e por instantes eternos os sorrisos contagiaram tudo em volta.  A desordem irritou alguns ranzinzas de plantão, mas ninguém deu atenção à reprovação de quem só espera o final trágico de cada lance.  A cena prossegue e de repente o inevitável acontece: o Joãozinho e o xilofone se fundem numa musica doida que arrebata sentidos e faz transbordar de cores tudo em volta. O xilofone era mágico e seu encanto era presentear que o ouvia com pequenas parcelas de felicidade, tal qual gotas de chocolate incrustadas num panetone.
Naquela tarde ordinária o medo perdeu, dando espaço ao sonho de quem se atreve a arriscar um pouco mais só pra ver sorrisos sinceros.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Nada demais

Nada que não anda
Não faz não sente não chora
Nada de alegria de devir
Nada existindo na dor
Nada em águas turbulentas
Nada afogado em rancor
Nada só mágoas
Nada nem flor
Sem cor sem cheiro
Só rudes espinhos negros
Sem frescor
Nada que não passa
Nada que não é
Não pode tocar a essência do ser
Não há o que ver nem desejar
Nada pra sonhar
Nada que ama
Mas como pode alguém amar o nada?

Ordem e medo

O que é a ordem sem o erre?
Seria medo.
Qual o erre da ordem?
Razão??

Circulante

Abre os olhos meu amor
Contempla a vida violentamente a fruir
Escuta o som do devir constante a reclamar suas revoluções
Prova o acre-doce e o amargo do mais sublime licor
Sente a carícia mais tenra a dor mais profunda

Essa a essência da própria presença
Esse é o existir em si mesmo
Essa emoção fugaz e passageira
Singela pétala beijada pelas asas da borboleta
Perene neve nas alturas do Himalaia

Talvez faça sentido estar
Não e sim num confronto
Sangue suor e água
Sal e secura desenfreada

Essa vida que insiste em não ser
Apesar dos sorrisos da alegria e da beleza
Um constante seguir de dias
De horas e momentos
Um instante e já foi

terça-feira, 23 de março de 2010

Sobre a arte de falar

Assim falou Cícero:
" ... falando mal é muito fácil conseguir o falar pessimamente." 
De Oratore

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Música pra iluminar

Certas canções simples tem uma delicadeza epifânica. Revelam despretensiosamente o sentido do mundo pra você. Não importa sob qual ritmo ela irá se conduzir, ou mesmo a combinação melódica. Basta que os versos atrelados a melodia toquem seu coração.  Esse contato suave permite uma visão da vida. Esse é o caso de "Quando você chegou" de Flávio Venturini e Alexandre Blasisfera.  Eu ainda não sei como colocar musica nesse espaço, então por enquanto a gente fica só com os versos simples, porém reveladores dessa musica:


Vento leva a minha voz
E vê se encontra
O meu amor
Nada faz sentido
Nesse mundo sem o seu amor
Me sinto assim 
Meio sem rumo
Viajo no meu disco voador
Te procurei no oceano
E quase que eu me entrego 
À solidão
Voa passarinho, voa até
O céu mudar de cor
Nada faz sentido nesse mundo
Sem o seu amor
Você passou
Eu aprendi
A sonhar
Você me olhou
Fez o deserto chorar
A sua alma me abraçou
O seu calor fez o sol se pôr
A lua cheia se esvaziou
quando você chegou

domingo, 31 de janeiro de 2010

Creme Pequeno

Esta crônica não é minha mas eu adorei. A autora conseguiu com sua singela delicadeza traduzir nosso modo de viver no abraço de um ursinho de pelúcia. Vamos ao texto:


"Creme pequeno. Constava em sua pequena etiqueta. Era um ursinho de pelúcia lindo e felpudo; creme e pequeno. A etiqueta era praticamente sua identidade. Que outro nome poderia eu dar ao urso diante de tal comprovação, senão este? Creme Pequeno. É o seu nome. Como os índios do cinema nomeados por suas características: Pele Vermelha, Leão Bravo... Como os fulanos da bíblia que tem sua história inteira resumida no nome... Creme Pequeno. Gracioso. Combina com a gravatinha vermelha, com seu valor irrisório.  Comprei-o por valor tão ínfimo, mas constatei sua identidade. 
Ele sendo apenas brinquedo tinha nome, sobrenome e um código só dele, como eu e você, tão gente que somos. Temos nome, sobrenome, RG e um preço. Tão brinquedos que somos. Não me entenda mal, desconfiado leitor, quando digo que temos um preço. É fato. Temos. As pessoas pagam por cada hora do meu trabalho. Eu paguei R$200,00 pela hora de trabalho do cara que me fez voar de asa delta. Minha faxineira cobra R$50,00 pelo dia de trabalho. Uma prostituta de luxo ganha bem mais por uma hora de sexo. As mais baratas nem chegam a isso. Alguém me contou que num prostíbulo de uma favela do Rio de janeiro é possível encontrar mulheres à R$ 1,99! Uma bagatela! Então, você, revoltado leitor, me olha no texto e diz: Nós vendemos a nossa força de trabalho! E eu digo: sim, é claro! Vendemos uma força de trabalho medida por tempo. Tempo de trabalho em si e tempo que dedicamos adquirindo competências para o trabalho escolhido. Tempo. É só o que vendemos. Só? E tempo não é vida? Morrer não é o fim da contagem de tempo para o morto? Se vendo meu tempo, vendo vida. Se vendo vida, vendo tudo de mim, inclusive meu corpo. Sou tão prostituta de mim quanto uma mocinha que rebola nas madrugadas vendendo sexo. Não, não culpo a mim, ou a você, ou a mocinha da noite... Não! Somos todos iguais esta noite... Só lhe pergunto uma coisa, apreensivo leitor: qual é o seu preço? Quanto você ganha é o quanto você vale? Quantas horas de você satisfazem o outro? Ah, compreenda... Não importa como te usam; se baixam suas calças ou são seus alunos num colégio conservador. Professores, prostitutas, músicos, escritores... Todos nós vendemos preciosas horas em que poderíamos apenas ser. Ensinar quem quisesse. Transar com quem quisesse. Cantar e escrever o que melhor aprouver...  Mas não. A gente deixa de ser por horas diárias em troca de... Não, apressado leitor. Não vou falar de dinheiro. É simplista demais. Trabalhamos em troca de um “aparato técnico” que nos faz mais “humanos” e “civilizados”. Menos bicho. Bicho vive de circularidade. Bicho come respeitando uma cadeia alimentar onde a maioria come e é comido por alguém. Bicho não tem vergonha de defecar. Seu cocô é vida para as plantas. Bicho se vê parte de um todo. Gente não. Gente equipa a casa com alta tecnologia, mas tem nojo das sobras do seu prato. Em vez de adubo, lixo. Gente joga suas fezes no mar... Fezes, lixo comum, lixos tóxicos... Pra onde vão tantas sobras? Não importa. Sou humano. Cuido do meu domínio particular. Outros cuidam dos outros domínios. Não é problema meu. Cada um faz a sua parte. Portanto a moral imoral da história é que a gente se vende pra se desligar cada vez mais de um elo maior. Conforto é sinônimo de independência de tudo e de todos. Pense bem. Ar condicionado: fecho minhas portas e estou protegido do calor. Sons portáteis: escuto apenas o que quero ouvir. Carro: diminuo as distancias. Não preciso de bichos para me locomover mais rápido. Avião: posso até voar... Então, todo aparato técnico que ambicionamos resumi-se em compensação ao que a natureza não nos deu. E não queremos depender dela pra nada... Toda lógica da natureza é cíclica, funções que se completam mutuamente. Um elo. Qual será então o preço por quebrarmos esse elo? O caos, eu suponho.
            Cansei. Melhor parar por aqui."

Por Déda Lizz

domingo, 24 de janeiro de 2010

As Duas Damas

Há uma dama especial que passeia na escuridão da noite, ou no fulgoroso dia. Entre luzes e sombras melancólicas sua indiferença assusta incautos. As vezes ela faz seu trabalho sozinha outras vezes as Walkírias cavalgam ao seu lado, com seu trote valente buscando a companhia dos bravos. Essa dama não conhece a tristeza ou felicidade. Simplesmente trabalha com precisão. Não há maldade em sua lida, também não há justiça, apenas desfecho igualando grandes e pequenos. Seus amantes são desdenhados, como toda mulher ela quer os que não a querem. Mas tem a vantagem de ser paciente, de saber que ninguém lhe escapa. Certo dia vi sua face bela, pálida e fria. Sedutora e atraente me tomou em seus braços, beijou meus lábios. Resisti a sua beleza. Me guardava pra outra dama, mais linda, mais doce. Mesmo assim ela brincou comigo. e deu de beber seu vinho amargo. Ela me deitou em sua ante sala, acariciou meu corpo e por fim, como a maioria das mulheres, me desprezou. Mesmo assim trago as marcas daquele encontro. Confesso que já senti saudades dela, mas prefiro sua irmã. Uma mulher imprevisível, cheia de surpresas que exige coragem de quem a acompanha. A irmã vivaz é inquisitiva, não te deixa ao largo, passa por você e te convida, mas não te espera. Quem é sábio a acompanha sem fazer perguntas, simplesmente vai no seu tempo, no seu caminho e aproveita das delicias e agruras que ela oferece aos seus fiéis. Enquanto que vestida de preto pacientemente sua irmã espera seu momento.

da série poetadas

Enquanto Falo

Deitado ao lado de um vulcão em brasas
Ardo em desejo e aponto o céu enquanto falo
Falo tanto que grito silenciosamente em brasas vivas
Enquanto falo sinto meu ser envolvido
Círculos que consomem no encaixe
Círculos que giram e mastigam com gula
Enquanto giram sobre discursos mudos
Círculos que movimentam corpos
Enquanto falo  devorado
Convulsiono numa boca faminta
Que morde sem dentes enquanto busca
A vida esbranquiçada que brota do discurso enquanto falo
Tanto busca que recebe em si boca quente o pulsar constante
De uma fala que declara o ser do Falo consumido em sua missão poética

sábado, 9 de janeiro de 2010

A razão e a dentada


Agarrado a uma bóia murcha o naufrago vê barbatanas na água.  Ele sabe o que significa, mas não visualiza como sair da situação.  Buscando todas as conexões mentais disponíveis ele raciocina, usa seu intelecto. Pensa em tudo que poderia estar ao seu alcance para garantir a sobrevivência e mesmo assim, ele sabe que o fim está bem perto, travestido de mandíbulas poderosas com dentição dupla e transfixas. 
A situação é extremamente angustiante e nós aqui lendo esse relato terrível ficamos confortáveis por nossas poltronas macias que nos protegem dessa cena amedrontadora. Eu sei meu caro leitor, você queria que aparecesse um barco salva-vidas, uma canoa, um anjo do céu para retirar nosso herói dessa enrascada, mas eu não vou permitir esse perdão.  O homem cercado por tubarões acreditava que poderia dominar a natureza, destruiu os plânctons com seu lixo industrial, matou tartarugas jogando plástico no mar, queimou mais petróleo que devia e abalou completamente a cadeia alimentar. Por isso ele está cercado e cada minuto que passa o cerco se fecha um pouquinho.
Nossa razão falhou, mesmo assim não abrimos mão dela.  É como um carro velho ultrapassado o qual insistimos em mandar pro mecânico para ele dar um jeitinho. Confiamos plenamente no nosso instrumento torto, mesmo quando os principais  mecânicos da razão, os filósofos, já não acreditam tanto nela como tábua de salvação da humanidade.  Nossos principais sistemas filosóficos, políticos, econômicos, jurídicos, os principais sustentáculos da sociedade atual estão ruindo.  A rachadura é profunda e todos os tipos de cimento disponíveis não mostraram efeito.  Mesmo assim confiamos na técnica, no domínio completo da natureza, na supremacia racional.  O século XX foi testemunha de como nosso sistema não nos levou ao progresso. Tudo bem encurtamos distâncias, aumentamos nossa comunicação e nos últimos 10 ou 20 anos foi produzida mais informação que todo o conhecimento acumulado pela humanidade nos últimos milênios e – penso cá com meus botões -  haja spams. A medicina controla a vida e a morte cada vez mais, mas será que era pra ter tanta gente num ecossistema tão mal equilibrado? Continuamos acreditando que a tecnologia vai nos salvar da miséria de nossas opções.  O pior disso é que a razão ocidental triunfante agora vê devagar os donos das barbatanas farejando a presa preparando a dentada que mais cedo ou mais tarde vem, não vai só doer.

Saudações 2010

Primeira postagem do ano e eu não estou muito otimista, como sempre, diria minha mulher.  Mesmo assim eu mantenho a fé na vida e, principalmente, em Deus. Sei que meu amigo não nos abandonou.  Independente disso seguimos como frutos de nossas escolhas. Eu por exemplo escolhi melhorar, cada dia um pouquinho por vez, pretendo ser melhor.  A vida merece.
Hoje mesmo, depois de décadas - oh meu Deus, eu já falo em décadas - fui a Paquetá. A ilha continua uma graça, cheia de paisagens belas e deslumbrantes. Casas lindas que afirmam claramente que os proprietários não são fracos. Até o governador tem sua ilha particular ali de frente pra praia da Moreninha do Alencar, com sua inscrição nada convidativa: não aproxime-se.  Como um menino obediente que sou, respeitei a placa. O mar estava ótimo, apesar das gigogas e daquela espuma estranha.  Resolvi não reclamar, minha deusa estava radiante e eu queria dar a ela um dia especial.
Continuando as peripécias do ano fui ver Avatar. Fui meio a contragosto, achando que o filme seria só um desfile de computação gráfica em 3D. Aproveito pra confessar que nunca tinha visto um filme em 3D e achei a sensação bem diferente.  Mas o filme não era só isso, diverte e, se você quiser, pode fazer pensar. Pra resumir de maneira bem sintética foi como se espanhóis tivessem levado porrada dos astecas.  Além disso faz perguntar será que nós, raça humana, merecemos mesmo continuar? Também vi 2012, numa sessão não ortodoxa, com péssima qualidade e, apesar da aguá com açucar esperançosa holiwoodiana, também tive a mesma impressão.  Foi tão forte que gerou a próxima crônica deste blog.
Ano novo novas oportunidades pra continuar vivo.  É isso que pretendo nesse ano, viver melhor a cada dia, aproveitar a beleza da vida, reclamar menos - estou até fazendo um programa reclamação zero que depois eu explico -, continuar respirando e seguir com minha política: se me deixarem entrar, tô dentro.
Beijos a todos.